Milan Zdvooily pula de uma rocha no parque Adrspach-Teplice, no nordeste da República Checa
Hoje, Petr Kops, 21 anos, está usando calças que um dia pertenceram a Oxygen. "Não o conheci pessoalmente, mas minha irmã era sua amiga", conta Kops. "Uso as calças dele como amuleto de boa sorte". Minutos mais tarde, Kops estava mas beira de um abismo de 20 m conhecido como Ossos Quebrados. Ele anunciou que tinha certeza de que não escaparia sem machucar o tornozelo. E então saltou.
Embora o passatempo possa parecer suicida, cruzar com um salto o abismo que separa duas elevações rochosas é um esporte radical que na verdade vem ganhando popularidade na República Checa. Conhecida como "salto nas rochas" ou só "salto" entre os praticantes locais, a atividade carregada de adrenalina se concentra nas Rochas de Adrspach-Teplice, uma reserva natural isolada localizada na porção nordeste da República Checa.
Conhecida por seus cerca de 28 km² de formações rochosas fálicas, a reserva vem servindo de campo de treinamento a praticantes veteranos das escoladas, entre os quais Jaroslav Houser, 63 anos, que supostamente foi o pioneiro na escala de mais de mil das espiras rochosas.
Em seu frenesi por atingir o maior número possível de picos que ainda não tenham sido escalados, praticantes escolados do esporte, como Houser, terminaram por gerar, não intencionalmente, a prática do salto nas rochas, em Adrspach. " objetivo é chegar ao topo do maior número possível de torres", disse Vladimir Prochazka, 59 anos, conhecido como "Besouro", um praticante de escaladas e colecionador de histórias sobre seu esporte na República Checa. "Os praticantes tentam atingir os picos de acesso mais difícil, e ocasionalmente isso envolve saltos".
Porque saltar é muitas vezes a maneira mais lógica de chegar a uma torre da qual seja possível descer, quase todos os praticantes das escaladas em rochas têm de enfrentar pelo menos saltos básicos, em determinados momentos, ele disse. Na maioria dos casos, os saltadores pulam com uma corda de segurança atada à cintura. Caso não consigam atingir a formação rochosa do outro lado - e isso é bastante comum - terminam arremessados de forma violenta contra a face da torre da qual saltaram.
"Saltar requer destemor, considerável agilidade e uma grande tolerância à dor", disse Prochazka. "Costelas quebradas e danos à espinha são ocorrências bastante comuns". Ainda assim, existem aqueles que preferem apimentar suas experiências saltando sem corda. Entre os mais conhecidos desses aventureiros estão Petr Prachtel e sua mulher, Zorka, que ajudaram a criar o esporte nos anos 60 e 70, uma época a que os praticantes iniciais do salto em rochas costumam se referir como "era dourada".
Depois de se conhecerem durante a universidade, os inseparáveis parceiros das escaladas se tornaram lendários por suas excursões aos topos das torres da reserva natural de Eesky Raj, na região central da República Checa. Lá, eles foram pioneiros de muitos saltos, ocasionalmente realizados sem cordas de segurança.
"Na época, havia muitos saltadores que eram parte do movimento", conta Prochazka. "Essa saudável concorrência ajudou o esporte a florescer". Embora muitos dos praticantes de escaladas recorressem aos saltos por necessidade, há pouca gente que se especialize nesse esporte. De fato, alguns dos adeptos locais das escaladas têm uma visão negativa quanto aos saltos.
"Alguns dos veteranos dizem que saltos são a coisa errada a fazer, por aqui", disse Prochazka. "Mas sempre aparece algum lunático disposto a correr qualquer risco para se tornar o saltador dominante da região". Por muitos anos, o título de saltador mais impressionante de Adrspach - e, na opinião de alguns - do mundo - coube a Oxygen. Quando ele começou no esporte, na metade dos anos 90, os praticantes locais dos saltos já haviam desenvolvido um sistema de classificação da dificuldade dos saltos.
Um salto de Grau 1 é uma transposição fácil de uma torre para torre vizinha, e pode ser executado por qualquer praticamente razoavelmente bem preparado de escaladas. Mas os graus superiores requerem nível cada vez mais elevado de precisão. Um salto de Grau 4 não oferece superfície nivelada para o pouso, e força o saltador a encerrar o salto à maneira dos macacos, se agarrando a aberturas no paredão da torre oposta. A maioria dos saltos populares são classificados como Grau 2 ou Grau 3, e poucos saltadores haviam conseguido executar com sucesso saltos do Grau 4. Até que Oxygen surgisse.
Em 1997, Oxygen, 37 anos, fez história com seu salto entre as duas torres conhecidas coletivamente como Amerika, o único salto de Grau 5 que já foi registrado na história do esporte.
"Não sei nem como ele conseguiu chegar ao pico do lado oposto - parecia inatingível", conta Prochazka, que foi espectador do acontecimento. "De alguma maneira ele conseguiu atingir a fenda que ele havia tomado por destino, mas o corpo dele estava curvado para trás, e uma queda horrível parecia inevitável. Mas Oxygen conseguiu se segurar ao galo de um pinheiro que havia por lá, e um grito de vitória ecoou por todo o vale".
Não muito tempo depois de seu salto épico, Oxygen, cujo nome real é Milan Zdvooily, desapareceu da reserva de Adrspach. Ele trabalha como armeiro em Londres, e afirma que não sente necessidade de repetir os saltos que o tornaram famoso.
"Imagino se alguma pessoa amalucada ousará fazer de novo aquele salto¿, ele diz, em referência ao Amerika. "As pessoas estão sempre procurando por algo de novo, de modo que tudo é possível". De fato, os saltos contemporâneos continuam a atrair indivíduos aos quais parece faltar o instinto de autopreservação. Segundos depois de prever que machucaria o tornozelo, Kops lançou um brado desafiador e se arremessou através do abismo.
Os pés dele, calçados em sandálias, atingiram a torre oposta com um ruído surdo, e o tornozelo de Kops logo inchou para duas vezes o seu tamanho natural. O saltador mal conseguia andar, mas de alguma forma isso não impediu que ele executasse dois outros saltos.
Quando o dia acabou, ele se acomodou com uma caneca de meio litro de cerveja no restaurante que fica na entrada da reserva, cuidando de sua lesão. Kops atribui sua afinidade pelo esporte à "camaradagem e adrenalina", e embora não se sinta confiante a ponto de tentar reproduzir o salto de Oxygen, alguns dos veteranos da modalidade afirmam que o futuro do esporte depende de gente como ele.
"Minha previsão é de que os saltos só vão sobreviver graças ao trabalho de alguns poucos indivíduos", disse Prochazka. "A única forma de mudar essa situação seria a chegada de uma nova geração. O apetite deles por adrenalina poderia transformar a modalidade em esporte de massa".
Tradução: Paulo Migliacci ME
Um comentário:
Que que esse povo não faz por adrenalina? Eu tenho medo de saltar de um muro com mais de um metro de altura quem dirá de um pico/torre!
Postar um comentário