A arte de Ray Murphy é suja, perigosa e muito, muito barulhenta. Usando apenas uma serra elétrica, Murphy cria animais e figuras em imensos troncos de árvore, e meticulosamente entalha números em palitos de dente e de pirulito. Quando ele desliga a serra, o trabalho está pronto - Murphy se recusa a lixar, envernizar ou pintar qualquer de suas peças.
"A verdadeira arte de serra elétrica é feita apenas com o uso dela", diz Murphy, 65 anos
"Sou um serrador, e ponto. Uso serras elétricas e me recuso a trabalhar com ferramentas de entalhe", disse Murphy, 65 anos. "A verdadeira arte de serra elétrica é feita apenas com o uso dela." E, por US$ 10, qualquer pessoa pode vê-lo em ação.
Murphy começou no ano passado a apresentar a cada noite um espetáculo com sua serra, um desempenho de 90 minutos durante o qual ele ataca peças de madeira usando entre uma e três serras elétricas. Em cada apresentação, ele pede um voluntário na audiência e faz com que a pessoa use um cinto com uma fivela de madeira, na qual ele entalha alguma coisa. Até hoje, nada de errado aconteceu.
A apresentação acontece ao ritmo de música ruidosa. Murphy trabalha em uma cabine à prova de som que tem um lado feito de plástico transparente; uma câmera suspensa transmite imagens em close-up para uma tela de projeção. A lâmina da serra se aproxima perigosamente da longa barba grisalha do artista.
"É algo de tão incomum que as pessoas nem entendem bem", diz Murphy. O espetáculo surgiu em meio a uma onda de popularidade para os praticantes de sua forma de arte.
Jen Ruth, que empresaria dezenas de artistas da serra elétrica que se enfrentam em competições em todo o país, diz que existem cerca de oito mil deles nos Estados Unidos.
"Como agente, vi uma imensa explosão na arte com serras elétricas", disse Ruth. "Muita gente desejava entrar no ramo porque acha que é uma forma atraente de arte, e que permitirá que eles ganhem dinheiro rápido, mas isso não é verdade."
A maior parte dos artistas trabalha o ano inteiro, e no verão participa de competições e de feiras. Mas ninguém está fazendo o Murphy faz, diz Ruth.
Murphy alega que ele inventou a arte com serra elétrica, em 1953, quando tinha 11 anos de idade. Membro de uma família de lenhadores de Wyoming, ele começou a entalhar troncos e fazer figuras de animais. Continuou com a prática por toda a adolescência, na faculdade e durante suas passagens por diversas empresas madeireiras e pelo Serviço Florestal dos Estados Unidos.
Murphy e sua mulher se radicaram nas Black Hills do Dakota do Sul. Em 1972, ele comprou um antigo ônibus Greyhound e começou a viajar pelo país vendendo suas peças.
A porção dianteira do ônibus é a sala de exposição; a traseira abriga um beliche. As serras são guardadas no porta-bagagem. Murphy leva a madeira em um trailer que o ônibus arrasta, porque o tipo de madeira de que ele precisa não é abundante em qualquer lugar.
Murphy terminou ganhando fama, depois de aparecer no programa Wide World of Sports, na rede de TV ABC, em 1982, e de entalhar as letras do alfabeto em lápis expostos no museu Ripley's Believe It or Not ("Acredite se quiser", no Brasil), em Myrtle Beach, Carolina do Sul. O museu continua a manter muitos dos lápis em exposição, diz Edward Meyer, arquivista da instituição.
Murphy voltou a Dakota do Sul no começo dos anos 80, mas a área havia se tornado mais comercial. Ele e sua família decidiram sair de carro rumo a leste "para onde Deus nos levasse", e o destino foi Hancock, uma cidadezinha de 2,1 mil moradores na entrada do Parque Nacional de Acadia.
Os negócios no Maine sempre foram bem - tão bem, ele conta, que as pessoas começaram a comprar suas peças mais rápido do que ele conseguia produzi-las. Ele guardou dinheiro para conseguir realizar seu sonho de apresentar um espetáculo diário de arte com serra elétrica.
Sua loja foi transferida de uma lateral para a movimentada Route 1, a estrada local, e ele investiu US$ 250 mil na construção de um teatro para suas apresentações. Assentos dispostos em forma de arquibancadas estão posicionado diante do palco selado por fibra de vidro transparente em que ele trabalha.
"Esse é meu sonho", diz Murphy, diante do ônibus, que agora está carregado de recortes de jornais e outras recordações de suas carreira. Os espetáculos começam às 19h, e Murphy parecia irrequieto, com a aproximação do horário. "Temos platéia?", ele perguntou.
Até agora, neste verão, o público tem sido esparso, mas as apresentações continuam. Em uma terça-feira recente, a família Schaffer, da Virgínia, que conhece Murphy, passou para cumprimentá-lo e assistir ao espetáculo.
"O cara sabe o que faz", disse Peter Schaffer, que compareceu com os dois filhos e a mulher. Murphy entrou na cabine e começou a entalhar. Não demorou para que um grande tronco se tornasse um jogo de mesa e cadeiras. Depois, ele atacou uma peça menor, com uma serra menor, observando de perto. O resultado foi uma pequena joaninha, que ele exibiu em cima de uma moeda de 10 centavos de dólar.
O espetáculo durou 90 minutos, e ele entalhou iniciais na fivela de um fotógrafo ressabiado, acompanhadas por uma lua e as palavras "the end" (fim, em tradição livre). O show não foi dos melhores porque o sistema de som falhou, e isso o preocupou um pouco.
Mas ele realmente não se preocupa com platéias. O ano passado mostrou que o movimento maior começa depois da metade de julho, e em um dos espetáculos, 50 pessoas pagaram para assistir, em 2007. Ainda assim, ele continuará trabalhando mesmo para platéias bem menores.
"É experimental, ninguém tentou isso antes", disse Murphy. "Sou uma daquelas figuras dispostas a pular do trampolim na ponta funda piscina e testar a água."