segunda-feira, 14 de julho de 2008

Americano coleciona cabelos de celebridades mortas

No quarto embolorado dos fundos de sua loja de antiguidades, junto a uma cópia da Declaração de Independência americana e uma antiga máquina de escrever de Ernest Hemingway, John Reznikoff guarda uma pasta de ouro contendo seu bem mais valioso.

O hobby de colecionar cabelos, como os do ex-presidente Kenedy, trasnformaram-se em negócio para Reznikoff
O hobby de colecionar cabelos, como os do ex-presidente Kenedy, trasnformaram-se em negócio para Reznikoff

Dentro de um vidro, o cacho negro parece uma esponja de aço velha e sem valor. Mas Reznikoff, 48 anos, diz que a preciosidade de US$ 500 mil é muito mais valiosa: um fio de cabelo de Abraham Lincoln, coletado no leito de morte do 16º presidente americano.

Reznikoff explica que as partículas presas ao cabelo, parecidas com pedaços de ovo em uma frigideira, são restos cerebrais ressecados. Ele possui fios de cabelo de inúmeras figuras históricas, como George Washington, John F. Kennedy, Napoleão, Beethoven e Chopin.

Embora anuncie com entusiasmo sua coleção de selos, autógrafos e antigüidades da tradição americana, que movimentam um negócio de US$10 milhões anuais, Reznikoff é discreto quando o assunto é sua estimada coleção de cabelos.

Ele não anuncia, vende ou compra cabelos de pessoas vivas. "Tenho medo de que os clientes não me levem a sério se me virem vendendo um fio de cabelo de Charles Dickens," Reznikoff disse.

O que um dia foi um mero passatempo de algumas dezenas de entusiastas na virada do século XX, se transformou em uma indústria multimilionária de colecionadores profissionais e grandes farsantes.

A coleção de cabelos sobreviveu os tempos modernos, trazendo consigo o ar de bizarrice que envolve qualquer passatempo relacionado à perseguição de celebridades, bem como uma série de controvérsias sobre invasão de privacidade.

Colecionar cabelos teve seu auge na era vitoriana, quando os notáveis costumavam dar a seus admiradores fios de seus cabelos, ao invés de autógrafos.

"Mais do que um autógrafo, era um sinal de afeto", disse Harry Rubenstein, curador do Museu Smithsonian de História Americana. Hoje em dia, pequenos colecionadores se debatem junto a representantes de grandes casas de leilão como Sotheby's e Christie's para conseguir restos dos cachos de Marilyn Monroe (raro), tranças de Audrey Hepburn (muito raro) e do cabelo de Elvis Presley (raríssimo).

A demanda é insaciável, disse Brian Marren, vice-presidente das aquisições da casa de leilão Mastro, que vende cerca de US$ 100 mil em cabelos por ano.

"É uma cultura movida a celebridade", Marren disse, "então qualquer coisa que tenha a ver com uma celebridade vende". Em outubro, um colecionador pagou US$ 119,5 mil por um tufo de cabelo de Che Guevara.

Guerras de leilão ocorreram na disputa pelo cabelo de Babe Ruth (vendido por US$ 38 mil) e de John Lennon (US$ 48 mil). Além de parecer um passatempo um tanto nojento, colecionar cabelos é também um facilitador da invasão de privacidade, visto que os colecionadores usam o DNA dos fios de cabelos para investigar as vidas de celebridades do passado e do presente.

Será que Lincoln tinha sífilis? Será que Beethoven transava com prostitutas? Para solucionar estes mistérios, fãs alucinados e historiadores obcecados em teorias de conspiração visitam a loja de Reznikoff, a University Archives, instalada em uma fábrica reformada.

Lá eles encontram pequenos pedaços das lembranças foliculares de Reznikoff. Na loja, há uma foto emoldurada de Elvis depois de adquirir seu famoso corte estilo soldado, junto a um chumaço de seu cabelo colado em uma camurça azul.

Em outra moldura, vemos o retrato de Carlos I (antes de ter a cabeça decepada), do lado de alguns fios de cabelo coletados de seu caixão (após sua decapitação).

"Ninguém quer ver apenas um chumaço de cabelo, por isso precisamos ilustrá-lo com sua história", Reznikoff disse, no mesmo tom moroso que Martha Stewart usa para explicar como o macramê é feito.

Seu maior tesouro é guardado em um fichário no quarto dos fundos. Há uma pasta para cada celebridade, geralmente cheia de notícias amareladas e páginas rasgadas de diários dos antigos colecionadores que tiveram posse do cabelo, atestando sua autenticidade.

Reznikoff usa equipamentos de imagem sofisticados, como o comparador espectral de vídeo, aparelho usado na verificação de passaportes e notas de dinheiro, e em análises de caligrafia e outras documentações.

Já os fios de cabelo são guardados em um envelope liso e de boa qualidade. O conhecimento de documentos históricos de Reznikoff fez dele um valioso especialista do Departamento de Justiça, que já o convocou para ajudar a solucionar casos de avaliação e fraude, diferenciando-o de outros pequenos colecionadores de cabelos.

"John é a pessoa mais diligente e inquisitiva que conheço", disse Louis Mushro, um colecionador. "Ele não compra algo a menos que tenha certeza de que é verdadeiro."

Reznikoff descreve os detalhes de sua coleção como se fossem cartões de Natal de amigos e familiares. "Este é de John Wilkes Booth," ele diz, apontando para um chumaço de cabelo arrancado do assassino momentos antes de sua morte.

"E este é de John Dillinger. Ah, esqueci. Acabei de adquirir o cabelo de Eva Braun." Quando era aluno da Universidade de Fordham, Reznikoff ficou obcecado em colecionar selos e passou a freqüentar feiras de selos, ao invés de ir para as aulas de Direito.

Ele desistiu da faculdade em 1981, para o choque de seu pai, um professor de psicologia, e abriu um negócio de selos, chamado University Archives, uma sátira ao fato de ter não ter concluído sua graduação.

A venda de cabelos de celebridades para outros colecionadores, diz Reznikoff, garante quase o suficiente para pagar os salários de seus dez empregados.

Todo ano ele compra três ou quatro novos fios de cabelo de casas de leilão, pequenos colecionadores e ocasionalmente de alguma senhora idosa que acabou de limpar seu sótão.

Grande parte da coleção de cabelos de Reznikoff foi adquirida de Margaretta Pierrepont, esposa de Edwards Pierrepont, secretário de Justiça do presidente Ulysses S. Grant.

Por US$ 100 mil, Reznikoff comprou uma coleção de cerca de 60 fios de cabelos famosos de Robert White, um vendedor de materiais de limpeza e também colecionador de cabeças empalhadas, que adquiriu a coleção de Pierrepont nos anos 1970.

"Ele tinha a maior coleção de cabelos do mundo", disse Reznikoff. "Mas ninguém sabia disso." (A coleção ficava em Baltimore, escondida no porão da mãe de White.)

Hoje em dia, praticamente qualquer um pode se tornar um colecionador de cabelos através de sites como eBay. Embora os cabelos de figuras históricas da guerra civil americana sejam aquisições populares, os cabelos de celebridades contemporâneas também são muito procurados.

Em fevereiro de 2007, quando Britney Spears raspou a cabeça em um salão em Los Angeles, a cabeleireira Esther Tognozzi colocou o cabelo da cantora à venda por US$ 1 milhão em um leilão online. (Ninguém comprou; segundo Reznikoff, o cabelo vale cerca de US$ 3,5 mil.)

Embora Reznikoff afirme colecionar sobretudo por satisfação pessoal, seu passatempo já chegou a colocá-lo em confusão. Em 2005, ele pagou US$ 3 mil pelo cabelo de Neil Armstrong, vendido pelo barbeiro do astronauta.

Armstrong ficou furioso e ameaçou processá-lo. "Por isso não compro mais cabelos de celebridades vivas", disse Reznikoff. "Isso remete à imagem de fanáticos correndo atrás de famosos com uma tesoura e eu não sou assim."

Alguns críticos afirmam que o passatempo de colecionar cabelos é um terreno fértil para fraudes. A organização Cruzada Internacional por Relíquias Sagradas está pressionando o governo americano a proibir o comércio de cabelo e outros materiais humanos no site eBay, alegando que a lei não permite esse tipo de venda.

Familiares de celebridades contemporâneas também são contra essas vendas. Outros afirmam que o passatempo é uma violação do direito básico à privacidade.

Historiadores já utilizaram testes de DNA em cabelos adquiridos de colecionadores com o intuito de comprovar, por exemplo, que Thomas Jefferson tinha um filho de mãe escrava e que Beethoven sofria de saturnismo.

Em abril, a Vanity Fair publicou os resultados de uma investigação de 18 meses envolvendo Jack Worthington II, um banqueiro que afirmou ser filho ilegítimo de John F. Kennedy.

Com o DNA de um fio de cabelo fornecido por Reznikoff, a revista questionou a afirmação de Worthington. Alguns colecionadores de memórias deixaram de colecionar cabelos.

"É basicamente uma questão de credibilidade," disse Bob Eaton, leiloeiro de autógrafos de celebridades. "Qualquer um pode pegar um fio de cabelo e dizer que é do Einstein."

Embora alguns não levem este passatempo a sério, outros o consideram uma mina de ouro. Em setembro, Reznikoff vendeu alguns fios de cabelo de George Washington para a Topps, empresa conhecida por seus cartões de beisebol, que deflagrou um frenesi com o anúncio de que três cartões especiais trariam escondidos os fios de cabelo como parte de um concurso promocional.

No mesmo mês, Reznikoff vendeu um fio de cabelo de Beethoven a uma empresa que o incorporou a um diamante sintético, colocado a leilão por US$ 1 milhão no eBay. (O diamante atraiu 62 lances e foi vendido por US$ 202 mil.)

Apesar da controvérsia gerada pela coleção de cabelos, Reznikoff considera o passatempo tão natural e inocente quanto à sua coleção de carrinhos e gibis na infância.

"Sempre fui um colecionador", ele disse. "Acredito mesmo que isso seja genético. Ou você é colecionador, ou não é." Ao sair do quarto dos fundos de sua loja, Reznikoff disse: "Estou agora pensando em colecionar vinhos". Ele então apontou para uma prateleira de garrafas antigas e empoeiradas, cortesia da adega de Eduardo VIII.


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